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Gurgel

História

De um início modesto, com capital de US$ 50 mil, até a liderança inconteste no mercado nacional de jipes.

A história resumida da GURGEL mostra uma empresa com início modesto, formada com capital de somente 50 mil dólares, em setembro de 1969. Era a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos Ltda., que começou com seis funcionários e produzia apenas quatro unidades por mês do Ipanema, uma espécie de “buggy” utilitário montado sobre plataforma do sedã Volkswagen de motor traseiro e encarroçado em F.R.P. (Fiberglass Reinforced Plastic).


Ipanema, o primeiro guerreiro

Na década de 1970 a GURGEL ousou alçar vôos mais longos e ambiciosos. Desenvolveu inicialmente o sistema “plasteel” e registrou essa marca. O “plasteel” era uma resistente estrutura formada por camadas de F.R.P., que envolvia uma armação de tubos de aço de secção quadrada. Com esse sistema, ele pôde abandonar o encarroçamento de plataformas de Fuscas, que limitavam o Ipanema à categoria de buggy, e partir para a construção de utilitários para todo terreno, graças ao uso de seus fortíssimos chassis do tipo monobloco.

Estava nascendo uma linhagem de jipes e jipões que, embora dotados apenas de tração traseira, marcaram presença no Brasil pela desenvoltura com que venciam obstáculos, superavam íngremes barrancos, passavam por atoleiros e corriam por campos, pastos e praias, levando seus ocupantes a locais quase inacessíveis para outros veículos. Sua aceitação pelo mercado foi tão grande que a GURGEL, pouco tempo depois, dominava 75% do segmento nacional de jipes.

Como decorrência  de seu desenvolvimento surgiu a necessidade de ampliar as instalações da empresa. Em 1973, conciliando interesses próprios com os da meta de interiorização do parque industrial, a GURGEL adquiriu área de 360 mil metros quadrados no município paulista de Rio Claro, às margens da Rodovia Washington Luís, a cerca de 180 quilômetros de São Paulo. Lá, com apoio do BNDES, iniciou-se a construção da nova fábrica, que foi inaugurada em maio de 1975. Dois anos depois a empresa alterou sua razão social para Gurgel S.A. Indústria e Comércio de Veículos.

Ainda na mesma década e na seguinte foram surgindo, nas linhas de montagem da GURGEL, utilitários como os jipes denominados X-10 e o X-12 com versões variadas, depois denominados Tocantins, e os jipões das séries X-15 e Carajás. Além da boa receptividade desses modelos junto ao público, as Forças Armadas também se interessaram pelo jipe X-12, que venceu concorrências e foi adquirido pela Aeronáutica, Exército e Polícias Militares.


Linha de Produção da Gurgel em 1980

A empresa atravessava, então, uma fase de franca prosperidade, abrindo espaços até mesmo nos mercados externos. Cerca de quarenta países chegaram a importar seus produtos e houve época em que 25% da produção de Rio Claro se destinava às exportações. O jipe X-12 era táxi na Bolívia, carro para o deserto no Oriente Médio, veículo para o turismo no Caribe. E chegou a ser visto envolvido em combates na América Central, durante reportagens dos jornais televisivos.

Em 1985 a GURGEL apresentou à FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos a idéia do CENA, ou Carro Econômico Nacional. A empresa recebeu um financiamento do Ministério da  Ciência e Tecnologia, através da FINEP, para o desenvolvimento e fabricação de protótipos e da cabeça de série para duas mil unidades/ano. E em 1987, após completar seu desenvolvimento, o novo carrinho urbano, denominado BR-800 (BR de Brasil e 800 representando o volume de deslocamento em seu motor de dois cilindros horizontais contrapostos) foi apresentado ao público oficialmente no desfile de 7 de setembro em Brasília. A empresa então se preparava para lançar em escala industrial o primeiro carro popular e econômico de quatro lugares totalmente desenvolvido no Brasil.


Motor do BR 800

Dezembro de 1989 marcou a entrega da milésima unidade do urbano BR-800, que inicialmente, de acordo com a estratégia da empresa, foi vendido apenas para os acionistas, que passaram a fornecer suas opiniões e sugestões. Com isso, a GURGEL criou a maior frota de testes do mundo, com mais de 5.000 veículos rodando nas mãos de seus sócios.

A década de 1990 se prenunciava promissora e a empresa esperava chegar a 1996 com uma produção anual de 60 mil veículos, o ponto básico de equilíbrio para os investimentos feitos em maquinaria, pesquisas e desenvolvimento de recursos humanos.

Estratégia 

Uma empresa que nasceu e cresceu ocupando nichos de mercado desprezados pelas grandes montadoras multinacionais.

Esse padrão de desenvolvimento não foi obra do acaso ou da sorte. Foi, sim, o resultado de uma estratégia muito bem desenvolvida e obedecida, que permitiu à GURGEL se aproximar cada vez mais da sua proposta inicial, que era ocupar um nicho de mercado desprezado pelas montadoras multinacionais estabelecidas no Brasil: o do carro popular de preço acessível, baixo consumo de combustível e de manutenção barata.

A GURGEL nasceu, cresceu e se desenvolveu ocupando nichos de mercado que pediam veículos especiais. Trabalhando dentro de uma economia de escala diferente, chegou a ser líder inconteste do segmento nacional de jipes, que representava 0,5% do mercado automotivo brasileiro. Nesse nicho, a GURGEL ocupou 75% da produção e das vendas com seus utilitários das linhas Tocantins e Carajás, especialmente depois que a Ford deixou de produzir o Willys, ficando os restantes 25% para a Toyota.


Gurgel Carajás, o "Land Rover" brasileiro

Da mesma maneira, a empresa foi se aparelhando para ocupar o outro nicho de mercado, além de se preparar para sobreviver sem os componentes mecânicos da linha Volkswagen refrigerada a ar, que equipavam seus jipes e que, segundo avisos da própria Volkswagen, estariam condenados a um breve desaparecimento com a saída de linha do sedã Fusca e com as mudanças planejadas para a Kombi.

Em 1984 a empresa havia aberto seu capital mediante a oferta pública de 3,3 milhões de ações preferenciais em busca dos recursos necessários para seu plano de expansão. Logo a seguir foi criada a Gurgel Tec Tecnologia de Veículos S.A., subsidiária da marca voltada para as pesquisas e o desenvolvimento de novos modelos, bem como para o licenciamento e a exportação da tecnologia GURGEL.

Foram aceleradas as etapas de pesquisa e desenvolvimento dos componentes mecânicos e estruturais do novo carro, o BR-800. O motor era usinado e montado na própria Gurgel, seu monobloco foi projetado já em linhas finais, a fábrica se adaptou para o início de sua produção em série e revendedores foram chamados para receber treinamento.

Em 1988, no dia 20 de maio, foi constituída a Gurgel Motores S.A., controlada pela Gurgel Participações S.A. E a empresa lançou no mercado dez mil lotes de ações para obter recursos financeiros da ordem de 60 milhões de dólares, destinados à ampliação de suas plantas industriais. O público demonstrou total confiança no empreendimento e respondeu receptivamente, comprando 90% desses dez mil lotes, enquanto a própria Gurgel ficou com o restante. Os compradores teriam, além das ações, o direito preferencial de adquirir as primeiras nove mil unidades produzidas do BR-800.

Com o aporte de capital a empresa duplicou sua área construída em Rio Claro para 40 mil metros quadrados, com a edificação de seis novos prédios. E ao mesmo tempo adquiriu terreno de 650 mil metros quadrados nos arredores de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, onde construiu sua segunda unidade produtiva no País, para a fabricação de câmbios e diferenciais, bem como uma unidade montadora para abastecer todo o Nordeste brasileiro.


Anúncio publicitário da Gurgel durante a venda de ações

Com essa fábrica localizada no Nordeste, onde há maior necessidade de criação de empregos, a GURGEL pensava atender a um agudo problema sócio-econômico, criando na região cerca de 6.000 empregos diretos e perto de 50.000 indiretos, além de se livrar do fato de que, na época, precisava trazer as caixas de câmbio do BR-800 da Argentina, onde eram produzidas sob encomenda e de acordo com suas especificações, fator que contribuía para encarecer o produto final, segundo explicava o engenheiro Amaral Gurgel.

Ao entregar as primeiras 5.000 unidades do novo carrinho urbano para seus acionistas, a GURGEL passou a receber grande número de valiosas informações dos mesmos, na forma de sugestões válidas, críticas construtivas e opiniões sensatas passadas por usuários e proprietários no dia-a-dia com seus veículos.

A descoberta de dois diferentes nichos de mercado e os planos para ocupá-los com novos produtos específicos.

Com base nessa inestimável massa de informações, a GURGEL descobriu existirem dois nichos perfeitamente diferenciados para seu carro urbano econômico. O primeiro nicho era constituído por uma fatia menor de mercado, composta por compradores de renda mais alta, que queriam um segundo veículo para a família ou um carro para filhos universitários, mas exigiam itens de conforto, de acabamento e maior “status” do carrinho. Para eles foi desenvolvido o Supermini, cuja produção se iniciou em 1992 e que continuou a ser entregue aos acionistas que ainda não haviam recebido seus carros. Tratava-se de um segmento de mercado mais restrito mas que permitiria obter maior lucro por unidade produzida e vendida.

Com linhas mais modernas e atraentes, denotando cuidados maiores com a aerodinâmica e aperfeiçoamentos mecânicos somados a melhor acabamento geral, o Supermini reunia muitas armas para agradar no mercado e atrair compradores mais exigentes.

Mantendo praticamente as mesmas dimensões do BR-800, o Supermini pesava um pouco mais: 645 quilos em ordem de marcha. Seu motor, denominado Gurgel Enertron, sempre movido a gasolina, tinha os mesmos 792 centímetros cúbicos de deslocamento em seus dois cilindros horizontais contrapostos, refrigerado a água, e oferecendo potência máxima de 36 CV a 5.500 rpm. Sua ignição era controlada por microprocessador eletrônico, que trazia garantia de fábrica para cinco anos. A carroçaria oferecia garantia de 100.000 quilômetros. A caixa de câmbio era temporariamente produzida sob encomenda na Argentina, até que ficasse pronta a instalação da nova unidade que a empresa estava construindo em Fortaleza. E a comprovada certeza de ser um recordista na economia de combustível em uso urbano completava as chamadas de marketing do carrinho, que prometia ao consumidor – e cumpria – a possibilidade de se “destacar do rebanho”.

O segundo nicho, composto por consumidores de faixa de renda mais baixa e interessados na hoje ainda remota possibilidade de poderem comprar um carro novo, zero quilômetro, se apresentava muito mais volumoso e promissor.

De fato, na história internacional do automóvel, sempre houve modelos que venderam quantidades quase inacreditáveis de unidades. Quando um produto era durável, honesto em sua proposta e acessível no preço, o mercado respondia em grande escala. Foi assim com o Ford Modelo T, que chegou a vender mais de 15 milhões de unidades, com o Citroën Deux Chevaux e com o Fusca, este último passando da marca de 22 milhões de unidades.


Supermini, uma aula de design

Para esse segundo nicho, capaz de absorver um marcante e crescente volume de veículos populares no preço, no acabamento e no consumo de combustível, mas avançados, duráveis e confiáveis, a GURGEL começou a preparar seu Projeto DELTA.

Vê-se, então, sem sombra de dúvida, que nada ocorreu ao acaso na estratégia de desenvolvimento da GURGEL, que para isso contava com a excelente aceitação de seus produtos junto ao público, com a simpatia derivada do fato de ser a única fábrica de automóveis totalmente nacional, e com o apoio dos Governos estaduais e federal, que pareciam perceber a importância de se produzir no Brasil carros que, quando vendidos, não desviavam sequer um centavo para o Exterior, além de alargarem nossos horizontes tecnológicos.

Projeto DELTA 

Carros versáteis, baratos e econômicos, dotados de tecnologia própria, ao alcance do trabalhador brasileiro.

Durante alguns anos as indústrias automobilísticas multinacionais aqui instaladas se voltaram decididamente para os veículos de maior porte, dotados de maiores performances e com maior valor de mercado. Foi uma situação, até certo ponto, explicável. O automóvel no Brasil havia voltado a ser objeto de luxo, símbolo de “status” e artigo destinado às camadas mais altas da sociedade. Os extratos inferiores da classe média haviam perdido as esperanças de poderem comprar carros novos, passando a aquecer desmedidamente o mercado de carros usados, que muitas vezes valorizavam mais do que os altíssimos índices da inflação que afligia o País antes do Plano Real.

A área de Marketing da GURGEL previu essa distorção, agravada pela extinção do Fusca, e a empresa deu início aos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento do Projeto DELTA. Sua meta era produzir, de forma diferenciada e revolucionária, uma linha de veículos populares e econômicos no preço, no consumo de combustível e na manutenção, mas dotados de alta tecnologia, que prevê até eletrônica embarcada, de forma a colocar de novo o carro zero quilômetro ao alcance desses extratos alijados pela crise.

Para entender corretamente o alcance da nova proposta faz-se necessário conhecer inicialmente aquilo a que se propunha o Projeto DELTA. Para começar, o seu nome: como explicava Amaral Gurgel, a realidade mostra que o Homem só conseguiu fazer voar com segurança e eficiência uma asa delta depois de ter conquistado a Lua. O Projeto DELTA se propunha, na realidade, a desenvolver e implantar, numa fábrica de veículos, a tecnologia da simplicidade e da eficácia.

Tratava-se de um projeto realmente revolucionário, inédito na indústria automobilística mundial, e que visa baratear custos, levar o automóvel popular a maiores camadas da população e, ao mesmo tempo, ajudar a resolver problemas de desemprego e de desigualdades regionais do Brasil.

A idéia era produzir carros versáteis, adaptados às reais necessidades do País, usando tecnologia própria. Carros com bom espaço interno mas pequenos por fora, com baixo peso e boas respostas do motor Enertron que já equipava o Supermini, e que ostentava, na época, os mais baixos índices de consumo e de poluição ambiental graças ao sistema de queima de combustível controlado por microprocessador, conforme comprovado por testes em revistas e laboratórios especializados.

A produção dos veículos no Projeto DELTA iria obedecer a padrões inovadores, que permitiriam criar uma série de montadoras regionais em diversos Estados da Federação. Cada montadora receberia todos os componentes básicos e montaria os carros de acordo com a constante orientação e o total apoio técnico recebidos da GURGEL, mas utilizando mão-de-obra intensiva e ampla terceirização por parte de fábricas locais de autopeças em toda a parte relativa ao acabamento e aos componentes não básicos, que serão personalizados, adaptados e escolhidos de acordo com a região onde o veículo é fabricado.

Para dar início a uma etapa de maior volume na produção dos componentes básicos, bem como para produzir suas próprias caixas de câmbio, livrando-se assim da necessidade de trazê-las da Argentina, e para abrigar uma montadora e distribuidora de veículos para toda a Região Nordeste, a GURGEL comprou, em 1989, uma área de 650.000 metros quadrados nos arredores de Fortaleza, Ceará, onde construiu sua segunda fábrica.


Amaral Gurgel, o orgulho brasileiro da história automibilística mundial

A explicação pela escolha da localização da nova fábrica era dada pelo próprio engenheiro Amaral Gurgel:

“Todos sabemos que existem dois Brasis: um formado pelas regiões Sul e Sudeste, que nada fica a dever aos grandes países emergentes e mesmo aos do Primeiro Mundo, e outro formado pelas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde o nível está bem mais para Terceiro Mundo.

Vistos pelo prisma da indústria automobilística, esses dois Brasis ostentam uma diversidade que chega a ser cruel: as regiões Sul e Sudeste representam cerca de 18% da área territorial do País e detêm 82% da nossa frota circulante. Enquanto as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com 82% da nossa área geográfica, possuem apenas 18% da frota automotiva.

Para reduzir essas diferenças e garantir a estabilidade social e econômica, volto a frisar, o caminho é gerar empregos produtivos. E a melhor maneira de gerar empregos produtivos é dar apoio à iniciativa privada capaz de produzir bens de consumo, em todas as áreas da necessidade humana e na escala necessária. Não compete ao governo abrir empresas, que fatalmente se tornarão cabides de empregos e famintas devoradoras de verbas fiscais e de orçamentos, mas sim criar as condições mínimas para que os empreendedores da iniciativa privada façam aquilo que melhor sabem fazer: aumentar a produção em todos os ramos de atividade, gerando empregos e recursos.”

A GURGEL constrói e equipa a fábrica em Fortaleza, mas os dois Governos envolvidos não honram o Protocolo firmado.

Em 1991, com a presença do Governador Ciro Gomes, do Ceará, e do Secretário da Ciência e Tecnologia de São Paulo, Luiz Carlos Delben Leite, representando o Governador Luís Antônio Fleury Filho, a empresa realizou a festa de cobertura da unidade de Fortaleza e partiu para a compra de todas as máquinas necessárias para concretizar o projeto, sendo parte trazida da França e parte encomendada aqui no Brasil.

Os dois Governos estaduais, então, confirmaram e assinaram formalmente um Protocolo de Intenções garantindo “seu irrestrito apoio ao projeto GURGEL BRASIL a ser implantado no Nordeste do Brasil e que unirá, por certo, os interesses das regiões que representam”. Este foi o parágrafo final do documento, assinado oficialmente no dia 19 de dezembro de 1991, em Fortaleza, Ceará, durante cerimônia pública.

Crise pré-fabricada 

O novo projeto da GURGEL começa a mostrar sua capacidade e as pressões sobre a empresa se avolumam e provocam a crise.

A partir desse momento, a GURGEL começou a investir maciçamente no Projeto DELTA e na fábrica de Fortaleza, esperando contar com o financiamento de 160 milhões de dólares, que seriam divididos à razão de US$ 50 milhões para o Executivo paulista, US$ 30 milhões para o Executivo cearense e mais os US$ 80 milhões que o BNDES integralizaria, caso houvesse a participação dos dois Governos estaduais.

E também a partir desse momento as pressões começaram a se avolumar contra a GURGEL. Se antes desse passo a única fábrica totalmente nacional de automóveis ainda não incomodava, restrita que era a uma vitoriosa linha de jipes e utilitários, linha essa acrescida de um carro urbano e econômico ainda sem economia de escala e portanto sem preços competitivos, agora ela ameaçava crescer e aparecer.

A partir de 1992, pouco a pouco, o setor começou a se dar conta de que o nicho dos carros populares existia e era promissor. Multinacionais perceberam e aproveitaram o caminho aberto pela GURGEL ao tentar e obter redução de impostos para seu veículo urbano de motor pequeno e baixo consumo de combustível. E perceberam também, talvez, que o sistema de montagem regional desenvolvido para ser posto em prática pela GURGEL no seu Projeto DELTA era incompatível com o carro produzido pelos meios convencionais de que elas se utilizavam.

Para criar montadoras regionais em vários Estados e enviar seus produtos pelo sistema CKD (desmontados), as indústrias convencionais iriam encarecer o custo final dos veículos pela necessidade de criar linhas de montagem tradicionais em cada região.


Delta, o representante do que seria o maior vôo da Gurgel

Pelo sistema da GURGEL, que precisou praticamente reinventar o automóvel para pô-lo em prática, esse problema não existiria. O resultado seria um carro realmente popular, com características próprias para cada região, e que deveria custar entre 4 e 5 mil dólares para o consumidor, ou seja, bem menos do que os populares das multinacionais então em produção.

Foi então  que, sem qualquer justificativa válida, segundo afirma o engenheiro Amaral Gurgel, o Governador Ciro Gomes deixou de atender ao Protocolo de Intenções assinado no ano anterior. Procurado a seguir pela GURGEL, o Governador Luiz Antônio Fleury Filho também se esquivou ao apoio prometido no mesmo Protocolo, assinado por ele e pelo Secretário da Ciência e da Tecnologia, Luiz Carlos Delben Leite.

Ainda de acordo com declarações de Amaral Gurgel, o BNDES pedia por confirmação do processo de terceirização no Ceará, para liberar sua parte no compromisso de financiamento, mas o Executivo local não assinava a escolha da comissão para tratar do assunto. Por fim, e sem a confirmação do apoio logístico e financeiro da parte dos dois Governos estaduais, o BNDES também não pôde adiantar a sua parte.

A atitude dos dois Executivos, fechando as portas para a GURGEL, fez com que se avolumassem mais e mais pressões contra a empresa, culminando com uma série de ataques contra a saúde financeira da GURGEL, o que acabou por provocar uma espécie de “corrida bancária” e destruir a única fábrica realmente brasileira de automóveis, que então se encontrava muito próximo de realizar seu sonho e o de muitos e muitos brasileiros: colocar no mercado um veículo realmente popular, sem igual no mercado, dotado de tecnologia moderna e a preços competitivos.

Situação final 

Com um histórico de 25 anos de lutas e conquistas, premiada em 1980 com o Troféu Internacional à Qualidade, concedido pelo Editorial Office da Espanha; laureada em 1981 com o Prêmio Tecnologia Liceu, concedido pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo; e ganhadora do VII Troféu Europa à Qualidade de 1993, concedido pelo Editorial Office e pelo Trade Leaders’ Club, que congregam 12.000 associados em 112 países, a GURGEL, no dizer do empresário Amaral Gurgel, não se arriscaria a dar um passo em falso.

Seu padrão de desenvolvimento, cuidadosamente planejado para crescer gerando empregos, formando mão-de-obra e fazendo circular a riqueza, se apoiou no então garantido apoio das áreas governamentais dos Estados interessados no empreendimento.

Com a negação, até hoje inexplicada, desse apoio, foi impossível cumprir o cronograma da empresa, que previa para setembro de 1993 o início da produção dos veículos do Projeto DELTA.

A quase totalidade das máquinas necessárias para a fabricação dos componentes básicos, incluindo as adquiridas da Citroën francesa, já se achavam, ainda encaixotadas,  na fábrica de Fortaleza.

Juntamente com o Protocolo de Intenções Ceará - São Paulo foram preparados dois projetos para a SUDENE e BNDES, ambos devidamente enquadrados. E aqui é bom ressaltar, para que não pairem quaisquer dúvidas, que a GURGEL anteriormente já havia recebido financiamentos do BNDES, tendo liquidado totalmente suas obrigações, recebendo inclusive felicitações da Presidência do Banco por sua performance e pela pontualidade nos pagamentos.

Com o rompimento unilateral do Protocolo de Intenções por parte do Governo do Estado do Ceará, seguido pelo de São Paulo, a empresa viu-se às voltas com diversas e crescentes dificuldades, sendo obrigada a requerer sua concordata preventiva em junho de 1993.

Em novembro do mesmo ano a GURGEL encaminhou ao Presidente Itamar Franco um expediente apresentando o Projeto DELTA, relatando suas garantias, suas pretensões e necessidades de aporte de capital para assegurar a continuidade do mesmo.

Conforme documentos exibidos por Amaral Gurgel, o assunto recebeu as atenções devidas, sendo encaminhado ao então Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo, Senador José Eduardo de Andrade Vieira, para que fosse analisado e informado em regime de urgência. Isso gerou a Nota Técnica NT123AUT, de 25 de novembro de 1993, emitida pela Secretaria de Política Industrial do MICT, a qual classifica o assunto como de real interesse nacional e sugere a adoção de medidas de caráter urgente e extraordinário para a reabilitação da GURGEL e a retomada do Projeto DELTA.

Não obstante essa recomendação técnica oficial, que sugeria “a concessão de financiamento de US$ 20 milhões à GURGEL, dividido entre todas as agências de fomento federais e estaduais, através de seu enquadramento conforme regras usuais, num prazo não superior a um mês”, nada havia acontecido até fevereiro de 1994. Nesse intervalo, como não poderia deixar de acontecer, o quadro financeiro da empresa foi se agravando de maneira insustentável, gerando vazamento de notícias especulativas e criando sérios obstáculos nas tratativas que a GURGEL mantinha com seus credores, acabando por criar as condições que levaram a fábrica a pedir sua autofalência.

Fonte: www.jcgurgelguerreiro.hpg.ig.com.br

 
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